Hoje trouxe-vos algo diferente ... um Conto. Lembram-se do concurso de contos no blog da Elaine? Pois então, eu fui das participantes :) Não, eu não ganhei o concurso, como devem saber, mas mesmo assim adorei participar, adorei a experiência e por isso mesmo, quero dividi-la com todos vocês agora.
Espero que gostem :)
O DESPERTAR
Se alguém me perguntar porque razão eu decidi, naquela época, mudar tudo na minha vida, eu não saberia dar uma resposta concreta. Só o que posso dizer é que, de súbito, a maioria das coisas que compunham a minha existência deixaram de me ser satisfatórias e uma enorme ânsia passou a tomar conta de mim, o que me tirava o ar e sufocava lentamente, até que, sem caber mais em mim mesma, escolhi entregar-me simplesmente ao que parecia ser uma loucura, na qual no entanto eu necessitava mergulhar.
Sei que magoei e que deixei preocupadas muitas pessoas quando parti, deixando apenas uma breve carta onde explicava que precisava desesperadamente de me retirar por um tempo indeterminado. A minha família ficou surpresa e chocada com a minha atitude intempestiva, afinal, eu sempre fora tão centrada e, na verdade, previsível. Os meus amigos não me entenderam, pois pela sua ótica, eu tinha tudo para ser feliz. E os meus sócios no escritório de advocacia, do qual eu era a pedra basilar, sentiram-se traídos. Mas chega um tempo na nossa vida em que não podemos mais fazer apenas aquilo que os outros esperam que façamos. E então, torna-se urgente seguir o próprio instinto, ceder à própria vontade, ainda que não compreendida, aquela voz gritante no mais profundo silêncio das nossas almas.
E foi assim que me vi sozinha, numa pequena povoação de uma cidade europeia, situada entre uma densa floresta e as encostas de pedra que davam para um mar gélido, ruidoso e enfurecido. Apesar de ser uma forasteira, e de ter causado muita curiosidade por parte dos habitantes daquele lugar, tive a nítida sensação de que não existia outro no mundo onde eu devesse estar naquele momento. O que não deixa de ser uma ironia, pois a única parte que conhecia de mim mesma era a de uma mulher incapaz de viver sem o frenesim das grandes cidades.
Mas não daquela vez, em que me entreguei ao imenso vazio que afinal, sempre me cercou. Não fiz questão alguma de fazer amizades. Pela primeira vez senti que só precisava de estar comigo mesma e que eu me bastava. Limitava-me assim a ser educada e discreta quando caminhasse pelas ruas estreitas da vila, o que era difícil por possuir uma tez morena e longos cabelos negros ondulados, contrastando com as peles brancas, olhos claros e cabelos loiros de literalmente todos ali. Passava dias e dias completamente sem noção do tempo, imersa no silêncio, absorvendo a incrível energia, quase mágica, da natureza vibrante daquele lugar que envolvia todo o meu Ser. Foi assim que ganhei consciência de mim mesma e pude conhecer a minha verdade.
Passava horas sentada numa cadeira de baloiço já envelhecida na varanda da pequena casa de madeira que havia alugado em meio a floresta, com uma fumegante xícara de chá quente entre as mãos. Nesses momentos mergulhava no vazio mais preenchido que existe. Fazia frio, muito frio. Era o auge do inverno. Porém, chegava um ponto em que estava de tal forma conectada com o meu Eu Interior que já não o sentia, tanto que sentei-me inúmeras vezes à beira daquele penhasco, de olhos fechados, cabeleira em desalinho, o que aliás poderia ser para muitos um cenário assustador, mas onde renascia com os ventos uivantes que pareciam dizer-me coisas, contar-me segredos de outros tempos, outras gentes, ouvindo o barulho das ondas quebrando-se violentamente contra as rochas lá em baixo e a presença forte que sentia ao meu lado, ao meu redor ou dentro de mim mesma. Até hoje não sei explicar o poder de tudo que vivi.
O que sei é aquilo que trouxe de volta, ao regressar, cerca de um ano mais tarde. Uma tranquilidade, uma paz, uma certeza absoluta da existência de Deus. Um Deus no qual sempre acreditei, por certo, mas que nunca havia experimentado. É por isso que digo que tive um encontro com o Criador, e no decorrer desse encontro pude entender o que faltava para que me sentisse completa. Não era o dinheiro, nem a carreira, pois isso eu já conquistara há muito. Nem tão pouco reconhecimento, prestígio ou popularidade, e muito menos uma união sólida como o casamento, embora eu desejasse encontrar a pessoa certa com quem dividir a minha vida, um dia.
Esse tempo foi o mais valioso que vivi até ao momento desta minha passagem pela terra, pois aprendi, ou melhor, compreendi, coisas que estão muito acima da capacidade de entendimento da maioria das pessoas, pois o Ser Humano tem por hábito aplicar o raciocínio lógico à todas as coisas, e dessa forma, eu não sei como expressar a transformação espiritual que se operou em mim.
Hoje sou uma nova mulher. Retomei o meu trabalho com vigor, a maioria das minhas atividades, voltei ao convívio da minha amada família, meus amigos, mas hoje ... hoje eu vejo as coisas e entendo o mundo de outra maneira. Hoje, sou aquela que diz “bom dia, Vida”, ao acordar com um sorriso no rosto. Aquela que está presente em todos os momentos do dia, seja o que for que esteja a fazer. Aquela que está consciente de cada ação, cada gesto, cada palavra. Aquela que brinca mais e que se preocupa menos. A que compra flores coloridas todas as semanas. Sou também aquela que aboliu as paredes neutras da sala e que pintou uma delas de laranja. A que aprendeu a gostar de cristais, incensos e de ouvir louvores, não com os ouvidos, mas com o coração. Sou ainda aquela que hoje tem tempo para ir ao parque com os sobrinhos e que se diverte com isso, que rola na grama e que ri alto, jogando a cabeça para trás, mesmo que todos olhem e pensem que rir alto em público é falta de educação.
Enfim, sou alguém que aprendeu um pouco mais sobre o significado da vida, suas leis e sua mecânica, alguém que entendeu a importância daquilo que efetivamente é importante, e que passou a rejeitar tudo quanto não provenha da Luz, tudo quanto o meu eu mais profundo não aceite como certo. E mais, muito mais do que tudo isso, hoje sou alguém que sabe quem é Deus e onde Ele está. Isso, meus caros, concede-me o verdadeiro e genuíno conceito de felicidade.
E pensar que tudo começou com um apelo do meu coração para abandonar tudo e ir em busca de algo que eu nem sabia o quê, nem onde, nem como. Mas valeu a pena ousar e fazer algo inesperado e louco como lançar-me naquela aventura, tempos atrás. Jamais a esquecerei porque carrego comigo os seus frutos todos os dias da minha vida, até hoje, e para sempre.
Angel.
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